Um dos temas que tem mais destaque atualmente é a ansiedade, e em determinados meios, o Yoga tem sido pretensamente apresentado como panaceia para a sua solução.
Nestes meios, são servidas generosamente sequências de posturas de Yoga (Ásana), respirações mirabolantes, mantras e “outras cenas” como a solução mágica para a ansiedade.
Proponho tentarmos perceber onde termina a realidade e começa esta fantasia alucinada do Yoga para a ansiedade.
Yoga para a ansiedade?
Temos de separar águas, distinguindo entre:
1 — Aqueles que pretendem obter informação sobre um assunto específico, com o objectivo de reflectir sobre as diversas correntes de opiniões existentes.
2 — Dos habituais ingénuos “New Age”, neovedanta, que abraçam agora com fervor o movimento antivacinas e são marionetas de agendas com obscuros objectivos.
Com os ingénuos “New Age” qualquer abordagem racional e cientifica é inútil. Vivem num mundo muito peculiar de crenças doutrinárias, que lhes retira alguma réstia de senso e objectividade que eventualmente possa existir entre as orelhas.
Portanto, este artigo de opinião é dirigido aos primeiros, com quem é possível dialogar, mesmo quando temos pontos de vista diferentes.
Mas antes de reflectir sobre o Yoga e a sua acção sobre o conteúdo psicomental do ser humano, talvez não seja inconsequente esmiuçar a palavra ansiedade e em que contexto se aplica.
O que é ansiedade?
Ansiedade é um termo geral usado para vários distúrbios que causam nervosismo, medo, apreensão e preocupação.
A ansiedade é uma reação que quase todos já experimentámos diante de algumas situações do dia a dia, como: falar em público, na expectativa para datas importantes, em entrevistas de emprego, nas vésperas de provas, exames de saúde, entre outras.
No fundo, é uma natural reação psicofisiológica a factores que fazem o nosso programa mental entrar em níveis de “stress” não patológicos, para os quais temos competências emocionais e mentais para gerir.
No entanto, algumas pessoas vivenciam esta reação de forma muito mais frequente e intensa, que pode ser considerada patológica e comprometer a saúde e o equilíbrio emocional.
Nestas situações, o medo e eventualmente os ataques de pânico começam a tomar conta da vida.
Neste caso, é importante procurar o auxílio de profissionais na área da saúde com competências para acompanhar estes casos (psicólogos, psiquiatras).
Infelizmente, ainda existe hoje em dia algum estigma social para quem procura auxilio na área da saúde e equilíbrio mental, como se tudo se resolvesse com umas palmadinhas nas costas, uma conversa de sofá, uns Pránáyámas, umas sequências de Ásana de Yoga e uns Mantras. Tudo servido na métrica da moda: “Os vinte e um dias!”
Na verdade, é importante aceitar que a consulta com profissionais da área da saúde, é o passo certo quando deixamos de ter recursos para gerir estas situações.
Sinais de ansiedade
Preste atenção a estes sinais:
1 – Ver potenciais sinais de perigo em tudo
2 – Apetite desregulado
3 – Alterações constantes de sono
4 – Tensão muscular
5 – Medo de falar em público
6 – Ficar sempre preocupado e apreensivo com tudo.
7 – Estar sempre no limite de um ataque de nervos
8 – Medos irracionais
9 – Inquietação constante
10 – Sintomas físicos restritivos do bem-estar
11 – Pensamentos obsessivos
12 – Perfeccionismo
13 – Problemas digestivos
Se a maioria destes sintomas faz parte do seu dia a dia, está na altura de ponderar procurar rapidamente auxílio de um profissional (psicólogo, psiquiatra).
Fuja a sete pés de “coaches” que pululam na Internet com duvidosos cursos de fins de semana para lhe tratarem da saúde mental.
Geralmente, uma abordagem terapêutica correcta, actividade física bem conduzida, o contacto regular com a natureza, restabelecer os ritmos de repouso, a alimentação saudável e equilibrada, são a melhor receita para obter competências para lidar com a ansiedade.
Como a prática do Yoga entra nesta história?
Agora estamos preparados para reflectir sobre o Yoga, e a sua acção sobre o conteúdo psicofisiológico do ser humano.
Primeiro, é necessário deixar claro que o Yoga não é uma terapia, nem nunca pretendeu com as suas técnicas criar um receituário para resolver qualquer patologia.
O objectivo do Yoga é colocar à disposição do ser humano técnicas práticas para o conduzir na sua viagem e descoberta espiritual.
Utilizando o texto clássico Yoga Sutra, Patañjali, o seu escritor, define com clareza o que é o Yoga e qual a via a seguir;
Cap 1. Vers 2
Yoga é o estado em que cessa a identificação com a actividade mental.#1
Fica claro que Patañjali não indica que o estado de Yoga é a supressão total da actividade mental, mas sim a desidentificação da consciência do observador (Drastuh) com a natural actividade da mente (que é um produto dos Gunas (1) da Prakriti (2)).
No versículo seguinte, Patañjali refere a consequência objectiva do estado de Yoga anteriormente aclarado:
Cap 1 Vers 3
Então o observador (Drastuh) repousa na sua própria essência.#2
Quer dizer, entra no estado de Kaivalya. Neste versículo o termo Avasthãnam indica o retorno ao estado original.
No fundo, traduzindo isto para termos mais conhecidos, o retorno ao estado original é atingir o Samadhi.
No versículo 4, Patañjali é claro quanto ao que ocorre fora do estado de Yoga:
Cap 1 Vers 4
Em caso contrário, o observador (Drastuh) assume a forma dos processos mentais. #3
Que como já foi referido, toda a produção de actividade mental é uma consequência da acção dos Gunas da Prakriti.
Desta forma, o Drasthu (observador) envolve-se e confunde-se com a produção de actividade mental.
No próximo versículo, Patañjali enumera as modificações mentais:
Cap 1 Vers 5
As modificações mentais são cinco, e podem ser dolorosas ou não.#4
De referir que as modificações mentais são a consequência directa da relação do ser humano consigo, com outros seres, com o meio cultural, social, familiar e profissional em que se encontra inserido.
É como o ser humano interpreta e processa esta interacção que a torna dolorosa ou não, e o que pode ser um “stress” natural no processo de viver, pode resvalar para os estados de ansiedade disruptivos anteriormente referidos.
No versículo 6 são explicadas as cinco modificações mentais que podem ser dolorosas ou não:
Cap 1 Vers 6
Conhecimento correcto, interpretação errónea, imaginação, sono e memória. #5
Nos próximos versículos, Patañjali discorre sobre as características e consequências das cinco modificações da mente.
Chamo a atenção particular para a memória (Smritayah) que se divide em dois tipos: consciente e inconsciente.
A memória consciente implica a recordação de experiências passadas.
A memória inconsciente é o sonho, estado onde a consciência se ausenta. Esta memória também tem duas partes: uma imaginaria e outra real.
Poderíamos discorrer agora sobre as memórias do sono imaginário e real. Mas fugiríamos do tema inicial.
Deixo só uma reflexão.
“Nada surge do nada, tudo está contido na sua causa”
Das uvas não podemos retirar queijo ou manteiga assim como do leite não surge azeite.
Pode parecer estranho, mas na realidade nós não somos mais que simples memórias conscientes e inconscientes.
Sem memória, deixamos de existir como Ser, somos um aglomerado de funções fisiológicas.
Portanto, podemos presumir que qualquer estado de ansiedade patológico ou não, tem a sua raiz na forma como vivemos as nossas memórias conscientes e inconscientes.
E, seguramente, o viver destas memórias deixa um registo no nosso corpo, na fisicalidade e organicidade consciente e inconsciente.
Exemplo: Ao chegar à praia, podemos ter a sensação agradável de nadar e sentir a liberdade na água, ou pelo contrário, se anteriormente tivemos uma experiência traumática com a água, a simples aproximação da praia pode provocar um estado de ansiedade com consequências fisiológicas e emocionais que nos deixam paralisados.
O Yoga não separa corpo, mente e espírito. Eles fazem parte de um mesmo pacote.
No segundo capítulo, Patañjali apresenta as técnicas práticas para conduzir o praticante no seu processo até ao estado de Yoga anteriormente referido.
A integração da fisicalidade e organicidade na consciência, e a sua desidentificação com a produção de actividade mental fazem parte da proposta do Yoga.
Resumindo
Não tenho dúvidas que a prática do Yoga contribui para melhorar o nosso equilíbrio físico, mental e emocional. E, consequentemente, para percebermos e gerirmos com outro olhar os estados de ansiedade.
A prática de Yoga não é asséptica e inócua, produz efeitos físicos, emocionais e mentais.
“Partir para a prática de Yoga com sintomas patológicos de ansiedade sem o acompanhamento terapêutico de um psicólogo ou psiquiatra, é de todo desaconselhado”.
Quanto ao “stress”
e ansiedades provocados pelo nosso estilo de vida, hábitos e rotinas, a prática do Yoga é sem dúvida uma lufada de ar fresco para o nosso corpo, mente e emoções.
Consulte um profissional de saúde se a sua ansiedade não o deixa viver sem “stress”. Posteriormente, se for o seu caminho, procure iniciar a prática de Yoga.
“Caso sinta a vida com fervor e sinta os “stresses” normais de estar vivo, deixe-se de histórias e estique o “Sticky-Mat”. Comece a praticar!”
#1- Cap 1. Vers 2 “Yoga Citta Vritti Nirodhah”
Yoga é o estado em que cessa a identificação com a actividade mental.
#2- Cap 1 Vers 3 “Tadã Drastuh sva-rupe avasthãnam”
Então o observador (Drasthu) repousa na sua própria essência.
#3- Cap 1 Vers 4 “ Vrtti-Sãrupyam- Itaratra”
Em caso contrário, o observador (Drasthu) assume a forma dos processos mentais.
#4- Cap 1 Vers 5 “Vrttayah Pañcatayyah Klistã Aklistãh”
As modificações mentais são cinco, e podem ser dolorosas ou não.
#5- Cap 1 Vers 6 “ Pramãna-Viparyaya-Vikalpa-Nidrã-Smritayah”
Conhecimento correcto, interpretação errónea, imaginação, sono e memória.
(1) – https://en.wikipedia.org/wiki/Guṇa
(2) – https://en.wikipedia.org/wiki/Prakṛti